EXPIAÇÃO
LIMITADA
Autor: Sandro Francisco do Nascimento.
Nenhum
deles, de modo algum, pode remir a seu irmão ou dar a Deus o resgate dele pois
a redenção da sua alma é caríssima, e seus recursos se esgotariam antes; Sl 48.7-8.
Definição-
É a doutrina calvinista que afirma que Cristo Jesus em seu perfeito amor,
entregou-se a si mesmo em lugar daqueles a quem o Pai escolheu desde antes da
fundação do universo. Seu sacrifício foi totalmente eficaz para aqueles a quem
Deus escolheu, ou seja, estes que foram substituídos por Cristo na cruz tiveram
seus pecados e todas as penas eternas eficazmente canceladas.
Concordamos que o
sacrifício de Cristo tem poder para salvar toda humanidade, porém a luz da
bíblia entendemos que este não é o plano de Deus. Aprouve ao Criador eleger
aqueles a quem ele desejou salvar e não nos é apresentado nenhum motivo ou
explicação do por quê? A parte que nos cabe como criaturas é nos sujeitarmos a
sua Grandeza e reconhecermos nossa pequenez.
Para que possamos
compreender esta doutrina é necessário focarmos em alguns pontos:
1.
Os planos ou decretos de Deus.
2.
O sacrifício de Cristo e suas
implicações.
3.
Algumas passagens problemáticas.
1.
Sobre
os decretos de Deus
Confissão de fé Westminster
VI. Assim como Deus destinou os
eleitos para a glória, assim também, pelo eterno e mui livre propósito da sua
vontade, preordenou todos os meios conducentes a esse fim; os que, portanto,
são eleitos, achando-se caídos em Adão, são remidos por Cristo, são eficazmente
chamados para a fé em Cristo pelo seu Espírito, que opera no tempo devido, são
justificados, adotados, santificados e guardados pelo seu poder por meio da fé
salvadora. Além dos eleitos não há nenhum outro que seja remido por Cristo,
eficazmente chamado, justificado, adotado, santificado e salvo.
Partindo
da premissa da soberania de Deus, podemos afirmar que seus decretos jamais
podem em sentido algum ser frustrados. Todo decreto de Deus, toda sua vontade
há de ser sempre concretizada.
Então
respondeu Jó ao Senhor: Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode
ser frustrado. Jó 42.2.
O
Senhor frustra os desígnios das nações e anula os intentos dos povos. O
conselho do Senhor dura para sempre; os desígnios do seu coração, por todas as
gerações. Sl 33.10-11.
Respondeu-lhes
José: Não temais; acaso, estou eu em lugar de Deus? Vós, na verdade,
intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como
vedes agora, que se conserve muita gente em vida. Gn 50.19-20.
Durante
toda a história Deus tem dirigido tudo quanto acontece, nada lhe escapa o
controle. De fato, por sermos limitados e inconstantes, não conseguimos
entender a soberana vontade de Deus. Porém é claro na escritura que Deus ordena
e controla a história de uma forma que nem seus planos podem ser frustrados,
nem a criatura é violentada uma vez que o homem age segundo sua inclinação
natural.
Confissão
de fé Westminster
CAPÍTULO III
DOS ETERNOS DECRETOS DE DEUS
DOS ETERNOS DECRETOS DE DEUS
I. Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito
sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente
tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem
violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência
das causas secundárias, antes estabelecidas.
Ó
profundidade da riqueza, tanto da
sabedoria como do
conhecimento de Deus! Quão insondáveis
são os seus juízos,
e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu
a mente do Senhor? Ou quem foi o seu
conselheiro?
Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha
a ser
restituído? Porque dele, e por meio
dele, e para ele são todas
as coisas. A ele, pois, a glória
eternamente. Amém! Rm 11.33-36.
A
fé reformada entende então que, ainda que não tenhamos a capacidade plena para
entender a soberania de Deus, Ele é, e sempre será dominador e seus planos não
falham. Sendo assim, se Deus intentasse salvar toda a humanidade, todos os
homens seriam salvos.
Este
ponto é de suma importância para podermos compreender a extensão do sacrifício
de Cristo, uma vez que a eficácia deste não é para proporcionar, mas por
providencia do Pai este sacrifício assegura a redenção daqueles que são
beneficiados.
2. O sacrifício de Cristo e suas
implicações.
Expiação- O
perdão dos pecados daqueles que se arrependem deles e os confessam,
acompanhados de reconciliação com Deus, através do SACRIFÍCIO de uma vítima
inocente. No AT a vitima era um animal, figura e símbolo do Cristo crucificado
(Lv 1-7; Hb 9.19-28).[2]
É a satisfação
oferecida à justiça divina por meio da morte de Cristo pelos nossos pecados, em
virtude do qual todos os que creem em Cristo são pessoalmente reconciliados com
Deus, livrados de toda a pena dos seus pecados e feitos merecedores da vida
eterna; Castigo ou sofrimento de pena, imposto ao delinquente, como uma
compensação do delito praticado; penitência; reparação;
Expiar- Purificar-se de crimes ou pecados.[3]
Vigário- Aquele
que faz às vezes de outro.
Estas
definições feitas acima nos ajudarão a compreender a natureza do sacrifício de
Cristo. Veremos agora como esses termos de fato se aplicam.
Devido o
abrangente significado do sacrifício de Cristo iremos nos concentrar em alguns
pontos que são de suma importância para compreendermos sua eficácia, nos
desprendendo de uma visão mais romântica idealizada e até evidente na palavra
de Deus, mas que não esgota todo significado da morte expiatória do cordeiro de
Deus.
1. Cristo morreu em lugar de pecadores.
A. O
conceito de expiação vicária- A ideia de “expiação
vicária” ou de “substituição penal” significa simplesmente que Cristo sofreu
como nosso substituto, ou seja, em nosso lugar.
Deus
em seu amor interferiu na situação de miséria do homem, e providenciou para si
a satisfação da ofensa sofrida. Deus em Cristo pagou a si mesmo pela ofensa
feita a Ele pelo homem.
O
homem por sua própria força jamais conseguiria satisfazer a ira de Deus, pois
seus sacrifícios são finitos como sua própria natureza, mas Cristo sendo Deus
pagou de uma vez por todas a nota promissória que era contra seus eleitos.
Abaixo
veremos algumas diferenças entre o sacrifício vicário e o sacrifício pessoal:
Expiação
pessoal
|
Expiação
Vicária
|
Oferecida pelo ofensor
|
Oferecida pelo ofendido
|
Uma questão apenas de
Justiça
|
Uma combinação de justiça
com amor
|
Nunca terminada
|
Um sacrifício completo
|
B. Evidências
da expiação vicária- A bíblia ensina claramente que o
sacrifício de Cristo não foi por uma questão de empatia, ele de fato substituiu
aqueles por quem ele se entregou.
No
AT, nos preparativos para os sacrifícios exigiam que aquele que ia oferecer o sacrifício
impusesse as mãos sobre o animal a ser sacrificado. Isso tinha um significado,
a ideia era de transmissão, ou seja, aquele animal iria morrer de fato em lugar
daquele que o oferecia pagando assim por suas transgressões.
Esse
sistema ensina claramente que ali havia uma substituição.
Evidenciamos esta verdade também no uso
da preposição anti
(anti), o significado básico desta preposição é expressar confronto, oposição
ou dois objetos colocados um contra o outro, sendo um tomando o lugar do outro,
como uma troca.[4]
Esta preposição ocorre 22 vezes no novo testamento.
Pois o próprio filho do Homem não veio
para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por (anti-em lugar de)
muitos. Mc 10.45.
Tendo, porém, ouvido que Arquelau
reinava na Judéia em lugar de (anti-em
lugar de) seu pai Herodes, temeu ir para lá; e, por Divina advertência
prevenido em sonho, retirou-se para as regiões da Galiléia.
Podemos observar nos dois textos que há
por parte dos tradutores uma incoerência com respeito à tradução correta da
preposição anti,
isto se deve pelo fato de se tentar enfraquecer a verdade de que o sacrifício de
Cristo não foi a fim de talvez tornar possível a salvação, mas de eficazmente
assegura-la. Se Cristo morreu em lugar de, como afirma a palavra de Deus, ele
substituiu, recebeu em si e sobre si, a punição que deveria ser aplicada sobre
aqueles por quem ele morreu. Logo sua expiação não pode ser por todo o mundo
uma vez que todo mundo seria eficazmente salvo.
Isso nos leva a um questionamento muito
sério: Todos serão salvos, ou podemos ver claramente que varias pessoas estão
indo para o inferno? A resposta é óbvia! Muitos estão condenados à morte
eterna. Ou seja, se o intuito de Cristo fosse morrer em lugar de todos, logo
chegaremos a duas conclusões: Ou todos serão salvos independentemente de
receber a Cristo como salvador, ou, Cristo falhou e seu sacrifício foi
ineficaz, causando assim a frustração dos planos eternos de Deus.
No grego clássico, a preposição anti sempre tem o significado de “em lugar de”,
e não possui significados mais amplos como, por exemplo, “em beneficio de”.
Na septuaginta, entre as 318 ocorrências
de anti, não há exemplos do
significado mais amplo “em beneficio de”. De maneira uniforme, significava “em
lugar de”.
Outras referências: Mt 20.28; Mc 10.45;
Mt 2.22; Mt 5.38; Lc 11.11.
Há ainda uma preposição traduzida de
forma a enfatizar a expiação vicária, a preposição uper ( hyper). No seu original, esta preposição
significa: acima, sobre e em prol de. A ideia incluía ficar em cima de alguém
para protegê-lo.
No grego clássico tanto a ideia de substituição
quanto de beneficio são evidentes.
Vejamos alguns textos do NT:
E, tomando o pão, e havendo dado graças,
partiu-o, e deu-lho, dizendo: Isto é o meu corpo, que por vós (uper, hyper) é dado; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente, tomou o cálice,
depois da ceia, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue, que é derramado
por vós. Lc 22:19,20.
Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a
seu tempo pelos ímpios. Porque apenas alguém morrerá por um justo; pois poderá
ser que pelo bom alguém ouse morrer. Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós,
sendo nós ainda pecadores.
Romanos 5:6-8.
Romanos 5:6-8.
Outras referências: Jo 15.13; Rm 8.32; 2Co
5.14-15; 2Co 5.20-21; Gl 3.13.
2.
Justiça
de Deus.
A palavra justiça pode significar três
coisas:
a. Retidão.
b. Retribuição.
c. Pagamento.
Retidão-
O
homem justo é um homem reto, que é íntegro, não se desvia, santo.
Se Deus é justo, isso significa
dizer que Deus é Santo.
Porque a palavra do
Senhor é reta, e todas as suas obras são fiéis.
Sl 33.4.
Retribuição-
É
a punição daqueles que são transgressores.
Este ponto diz respeito à ira de
Deus sobre os transgressores da sua lei.
Ele ama a justiça e o juízo; a terra está cheia da bondade do
Senhor.
Sl 33.5
Pagamento-
A
satisfação da divida por meio de pagamento legal.
Ato Soberano de Deus de
providenciar a satisfação de sua própria ira em lugar do homem.
Olhai,
pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu
bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio
sangue.
Atos
20.28.
Inferência Lógica.[5]
1) Da eficácia dos
decretos de Deus. Os decretos de Deus são imutáveis,
eternos, soberanos e eficazes. Os propósitos eternos de Deus não podem ser
frustrados pelas contingencias temporais. O propósito daquele “em quem não pode
existir variação ou sombra de mudança” (Tg 1.17).
Que anuncio
o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não
sucederam; que digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade.
Isaias 46.10.
2) Das demais doutrinas
calvinistas. Se o homem esta totalmente depravado
por causa da queda; se, consequentemente, somente os eleitos de Deus são
alcançados pela redenção que há em Cristo, e se a graça de Deus é irresistível,
parece lógico concluir que Cristo morreu pelos eleitos e não por todos. Se
Cristo houvesse morrido por todos, das duas opções, só uma poderia ser
verdadeira: ou a expiação foi deficiente, ou todos seriam salvos.
3) Da presciência de Deus.
Se Deus conhece todas as coisas, não faria sentido ele pretender que Cristo
morresse por aqueles a quem sabia que (ou melhor, determinou) que se perderiam,
visto que não os elegeu.
4) Da justiça de Deus.
Se Deus é justo, como a bíblia inquestionavelmente revela, e se a justiça de
Deus exige a expiação com vistas à concessão do perdão, então, se muitas
pessoas pelas quais Cristo morreu viessem a ser condenadas, haveria dupla
punição pelo pecado: uma aplicada a Cristo e outra a eles mesmos, que seriam
condenados. Isto seria absurdo e estaria em oposição flagrante à revelação
bíblica.
5) Da natureza da obra de Cristo.
A salvação que Cristo nos dá é descrita com termos que necessariamente indicam
ter ele morrido apenas pelos que são efetivamente salvos. Quando as escrituras
afirmam que Cristo morreu pelos nossos pecados, isso significa que ele se
ofereceu na qualidade de substituto nosso.
“Deus
prova seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós,
sendo nós ainda pecadores”. Rm 5.8.
A
partir do sacrifício de Cristo em nosso lugar, fomos feitos propícios a Deus, o
Deus justo agora vê em nós a Justiça de Cristo Jesus.
“Fomos
reconciliados com Deus pela morte de seu Filho”. Rm 5.10 .
1. Algumas passagens problemáticas.
Alguns grupos que negam a expiação
limitada recorrem a alguns versículos que dizem ter Cristo morrido por todo o
mundo. No entanto esta aparente contradição se resolve ao se olhar o contexto
imediato em que estes versículos se encontram.
É importante lembrar que a palavra
mundo abrange vários significados e seu significado deve ser então determinado
pelo contexto. A palavra mundo pode ter pelo menos cinco significados
diferentes nas escrituras:
i.
O universo material.
“Nos escolheu nele
antes da fundação do mundo” Ef. 1.4.
ii.
O mundo como um sistema corrompido.
“Longe de mim gloriar-me,
senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo esta crucificado
para mim, e eu para o mundo” Gl 6.14.
iii.
A condição humana.
“O meu reino não é
deste mundo (isto é, humano)”. Jo 18.36.
iv.
O reino de Satanás.
“Ai vem o príncipe do
mundo; e ele nada tem em mim”. Jo 14.30.
v.
Os habitantes do mundo.
Este último ponto, no
entanto ainda pode variar também dependendo do contexto.
Naqueles dias foi
publicado um decreto de Cesar Augusto, convocando toda a população do império (todo
mundo) para recensear-se. Lc 2.1.
A
palavra mundo no novo testamento é muito usada para designar pessoas de toda
tribo, raça e língua, ou seja, de forma genérica para se dizer que a graça não
é exclusiva dos judeus, mas que Deus salva também aos gentios.
Como
exemplo irei abordar a passagem bíblica mais comumente usada pelos arminianos
para tentar provar que Cristo morreu por todos: João 3.16.
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que
deu seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas
tenha a vida eterna”.
Verso 17- Porque Deus
enviou seu Filho ao mundo não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo
fosse salvo por ele.
Pergunto:
Todas as pessoas do mundo serão salvas? É evidente que não, o mundo aqui não
são todas as pessoas do mundo. O que João afirma é que Deus amou o kosmoj (mundo,
criação) e que por isso enviou seu Filho para redimir a criação. Isso só
ocorrerá quando Deus cumprir seu propósito nos seus eleitos.
Porque a ardente
expectação da Criatura espera a manifestação dos filhos de Deus. Porque a
criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a
sujeitou, na esperança de que também a mesma criatura será libertada da
servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Rm
8.19-21.
Conclusão
A doutrina calvinista da eleição e da expiação
limitada não pode servir de desculpa para a não evangelização. O Senhor Deus
que elege seus escolhidos, também providencia a forma pela qual eles serão alcançados
(pela pregação do evangelho), convencidos (pelo Espírito Santo) e justificados
(pelo sacrifício expiatório de Cristo). A doutrina da eleição deve ser para os
crentes um consolo, pois sabemos que aquele que em nós começou a boa obra a de concluí-la.
A Deus honra, gloria e louvor eternamente. Amém!