segunda-feira, 11 de agosto de 2014

LIVRE AGÊNCIA


Texto Básico: Ef 2.1-10
INTRODUÇÃO:
Certamente, o ser humano tem liberdade para agir. Contudo, quando
consideramos sua vontade, será que tem a capacidade de optar pelas coisas aprovadas? A
ideia do livre-arbítrio é muito difundida, ainda mais em uma época em que há forte
incentivo para que cada pessoa faça o que bem entende. Existe livre-arbítrio? Se existe,
em que termos? Qual é a condição da nossa vontade?
I – O Livre Arbítrio Perdido
Por definição, a expressão “Livre Arbítrio” diz respeito a uma capacidade humana
de escolher o bem em detrimento do mal. Contudo, isso é possível a um pecador? Já no V
século de nossa era, a questão do livre-arbítrio foi largamente debatida especialmente
devido à grande controvérsia travada entre Agostinho e Pelágio. Agostinho, baseado nas
Escrituras, reconheceu como heréticas as posições defendidas e ensinadas por Pelágio.
Basicamente, o problema foi causado devido à descaracterização dos efeitos da queda no
ser humano. Pelágio ensinava que o homem nasce perfeito, sem pecado, e com a plena
habilidade de viver em estado de perfeição. Para ele, o pecado é uma experiência que
acontece no decorrer da vida. Portanto, seus pressupostos negavam o pecado original,
bem como a transmissão e a imputação do pecado na vida dos descendentes de Adão.
Além disso, esvaziou de significado e importância o sacrifício de Cristo, uma vez que o
homem pode viver a plena humanidade em perfeição absoluta. Para ele, a vontade do
homem era livre para manter-se pura e incontaminada, não sendo escravizada pelo
pecado.
Contra esses “dogmas” pelagianos levantou-se Agostinho. Este escreveu várias
obras afirmando a corrupção total do homem, ou seja, que o pecado invadiu todos os
recantos da existência humana, não restando nenhuma parte do homem que se manteve
incontaminada. Reconheceu e ensinou a doutrina do pecado original, não apenas a sua
transmissão por nascimento no decurso das gerações, mas também a imputação,
considerando Adão como “cabeça de raça”, isto é, a função representativa que tinha no
paraíso, quando recebeu a primeira aliança, a aliança da Criação. Esta era um pacto de
obras. Se Adão desobedecesse, ou seja, se ele viesse a praticar a desobediência, quebraria
a aliança. Se, ao contrário, se mantivesse firme diante da tentação do diabo, conquistaria
o direito de viver para sempre em perfeição e santidade, numa ordem de criação perfeita
e inalterável. Contudo, não somente ele, mas toda a sua posteridade se beneficiaria com
sua retidão original. Conseqüentemente, sua desobediência traria também culpa e
condenação sobre todos os seus descendentes. Essa representatividade é evidente no
ensino bíblico que apresenta Cristo como o último Adão. Paulo deixa claro que em Adão,
todos pecaram (Rm 5.12), e que os que crêem em Cristo não estão mais debaixo da
representatividade do primeiro homem, mas sim de Jesus (Rm 5.12-20; 1Co 15.21,22, 45-
49).
Assim, o pecado passou a caracterizar a existência humana como um todo, já a
partir de sua concepção no ventre materno (Sl 51.5). Agostinho enfatizou a necessidade
da obra de Cristo que nos substitui naquilo que precisamos satisfazer para a justiça
requerida por Deus. Toda nossa dívida foi cancelada. Jesus nos substituiu na vida e na
morte, nos concedendo a ressurreição para a eternidade. Em vida, Cristo cumpriu
perfeitamente a lei (Mt 5.17; Lc 2.21) com o objetivo de nos representar nesse
cumprimento, repassando assim os méritos de suas obras a todos os que nele crêem. Em
sua morte, assume o juízo que merecidamente nos aguardava, tornando nossa morte
física o ponto final da história do pecado em nossa existência e o renascer para a vida
plena e perfeita. Na queda, Deus sujeitou o homem ao tempo a fim de que o pecado e a
queda ficassem para trás e a história, conduzida por Deus, trouxesse um futuro de
restauração em Cristo Jesus. Sem a obra substitutiva de Cristo, o único destino humano
seria o inferno eterno. Agostinho também deixou claro que a vontade do homem não é
livre para escolher o bem. Influenciado por Agostinho, séculos mais tarde Lutero veio a
escrever uma célebre obra enfatizando a prisão na qual se encontra a vontade humana,
intitulada De servo arbítrio, ou seja, A Escravidão da Vontade, uma reação à obra de
Erasmo de Roterdã cujo título era De libero arbítrio, isto é, a liberdade da vontade. Na
verdade, apenas Adão e Eva, antes de pecarem, experimentaram o Livre Arbítrio, pois não
tinham a concupiscência da carne “entre os quais todos nós andamos outrora, segundo as
inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por
natureza, filhos da ira, como também os demais” (Ef 2.3). O apóstolo está afirmando que
o pecado está interferindo em todo pensamento, desejo e obra. Hoje, é impossível ao
homem natural, mesmo o crente, experimentar tal pureza e isenção de influência maligna,
que o leve a querer e a praticar por si mesmo o bem. Tanto Lutero quanto Calvino
refletem Agostinho em muito de seus pensamentos. A rejeição completa pelos
reformadores do Livre Arbítrio para o homem caído é um exemplo disso.
II – Realidade Presente: Livre Agência
A livre agência pode ser definida como a liberdade para refletir o próprio coração
em tudo o que se faz. Essa é a presente realidade humana. Adão, após cair, perdeu a
capacidade de refletir perfeição em seus pensamentos e atos. Contudo, passou a mostrar
a sua nova e terrível realidade interior. Note o que Paulo diz sobre o gentio, ou seja, o
homem natural: “Quando, pois, os gentios, que não tem lei, procedem, por natureza, de
conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram
a norma da lei gravada no seu coração” (Rm 2.14,15). O que o apóstolo está expressando
é o fato de o homem agir segundo o que está em seu coração. Existe a norma da lei
gravada no coração de todo homem “por natureza”. Há o conhecimento da vontade moral
de Deus no centro da vida de todo ser humano. E, de fato, por vezes o ímpio reflete
padrões de ética e moral. Contudo, tal conhecimento não é suficiente para a santidade,
pois esta só pode existir na vida daqueles que conhecem a Cristo como Senhor e Salvador.
De qualquer forma, mesmo esse agir segundo a lei no homem natural não significa jamais
o seu cumprimento, pois o homem, mesmo o crente, não pode cumpri-la em seu estado
atual.
Repare a ilustração abaixo. Ela ilustra as diferentes realidades da História do
homem, mostrando o que em cada uma delas o coração pode refletir.
Ímpio Adão antes da queda Crente
Ora, não é preciso argumentação para compreender que o coração do homem no
paraíso era perfeitamente bom. De certa forma, não havia santidade ali, pois não havia do
que se separar. Tudo era perfeito. O coração do homem só refletia a pura e cristalina
vontade de Deus. Contudo, uma vez que desobedeceu à ordem de Deus, tornou-se
imperfeito e desligado da comunhão perfeita com Deus, como tinha no Éden. A morte
espiritual passou a caracterizar o ser humano, que só poderia voltar a se relacionar com
Deus nesta vida de forma precária, devido ao pecado, e como resultado da obra de Deus
de resgatar aqueles que escolheu. O estado do homem sem Cristo é de trevas absolutas.
Não há contradição entre esta afirmação e o fato de refletirem a Lei em suas atitudes de
vez em quando. Mesmo tal cumprimento é parcial e sem o entendimento que vem do
Espírito. A luz do conhecimento de Deus só raia quando Cristo se manifesta
salvadoramente na vida do pecador. Portanto, o ímpio tem liberdade para refletir o seu
coração. Todavia, só operará o pecado, mesmo quando estiver refletindo algum aspecto
da Lei de Deus, pois não considera o Senhor em nada daquilo que faz. O pecador vive
como se fosse o senhor de sua própria vida. Sobre isso, diz Paulo: “entre os quais todos
nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne
e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais” (Ef
2.3). O homem sem Deus só pode refletir a vontade da carne e dos seus próprios
pensamentos. Por isso, encontra-se em trevas. Ele jamais poderá optar pelo bem. Na
verdade, nem mesmo o reconhece, pois as trevas de seu conhecimento não foram
iluminadas para compreender. Assim, suas melhores obras, quando refletem a Lei de Deus
em algum aspecto, apenas distinguem trevas densas de trevas não tão densas (Mt
6.22,23).
Chegamos então ao crente. O crente tem livre arbítrio? Certamente, não. Como
ilustra a figura acima, o livre arbítrio pressupõe o estado de perfeição, para que se opte e
se decida sem a inclinação natural para o mal. O crente vive certa dualidade. Existe nele a
natureza caída, a dívida contraída por Adão como representante da humanidade. Todavia,
há também nele a herança de Cristo, o representante dos eleitos. Nossa responsabilidade
é: “andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne. Porque a carne milita
contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não
façais o que, porventura, seja do vosso querer” (Gl 5.16,17). Pela busca incessante de
Deus na comunhão do Espírito, o crente é habilitado a vencer a carne. Por lutar ainda
contra essa natureza caída, o crente jamais conseguirá fazer nada perfeito, nem mesmo
separar e distinguir claramente seus próprios desejos e intenções. Por vezes, alguns
desejos tidos como “nobres” e “santos” têm intenções malignas como motivação.
Enganoso é o coração. Por isso, mesmo o crente não consegue separar e discernir
perfeitamente os impulsos e as motivações de sua própria alma. Não pode exercer o livre
arbítrio, como foi o caso de Adão e Eva, antes de pecarem.
CONCLUSÃO:
A ideia do livre-arbítrio surgiu como um modo de preservar a dignidade do ser
humano, conferindo-lhe algum mérito e direito na sua própria salvação. A condição de
“morto” não é agradável ao ser humano. O homem natural se rebelou contra Deus para
ser soberano sobre si mesmo. Assim, confessar completa dependência do Senhor para a
sua salvação não é agradável ao coração humano. Tenta-se desesperadamente marcar um
“gol de honra”, algo que possa dar ao homem a possibilidade de dizer “pelo menos
isso...”. O ser humano não tende a gostar da graça quando o assunto é salvação, porque
ela declara e atesta a sua total incompetência e miséria. Devemos estar cientes de que
somos incapazes de optar naturalmente por Deus. Isso só é possível quando somos
chamados eficazmente pelo Santo Espírito de Deus, que nos habilita a aceitar a salvação
em Cristo Jesus.

Rev. Jair de Almeida Júnior.

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