terça-feira, 7 de outubro de 2014

Maldições Hereditárias

Os Pais Chuparam Uvas Verdes e os Filhos
Embotaram os Dentes
Um Estudo Introdutório a Respeito das Maldições Hereditárias
por
Alan Rennê Alexandrino Lima

INTRODUÇÃO

Vivemos num período caracterizado por uma tremenda confusão
doutrinária. Na verdade, de um lado existem aqueles que
desprezam os estudos teológicos por acharem que teologia
“esfria” a Igreja. Por outro lado existem aqueles que são herdeiros
de uma tradição rica em conceitos sadios e que concordam com a
sã doutrina da Palavra de Deus, mas que mesmo assim, se apóiam
em doutrinas completamente contrárias aos ensinamentos da
Palavra de Deus.
Isso acontece porque tais pessoas desconhecem um princípio
hermenêutico (princípio de interpretação) bíblico sadio e correto. A
maior verdade de interpretação existente é de que A BÍBLIA
INTERPRETA A PRÓPRIA BÍBLIA. Em outras palavras, isso quer
dizer que as passagens que são complicadas devem ser
interpretadas por outras passagens mais claras. Outro princípio
diz que as passagens bíblicas devem ser interpretadas dentro do
seu contexto. É bem conhecido aquele ditado que diz que “texto
sem contexto é pretexto pra heresia”. Um exemplo de pessoas
que viviam dessa forma eram os cristãos da cidade de Beréia que
conferiam nas Escrituras se Paulo estava pregando corretamente.
Tais noções nos ajudam contra doutrinas erradas que muitas
vezes são passadas dos púlpitos das nossas igrejas. Uma destas
doutrinas é a conhecida doutrina das maldições hereditárias. Esta
doutrina tão perniciosa é definida por um de seus principais
defensores no Brasil da seguinte forma:
A maldição é a autorização dada ao diabo por alguém
que exerce autoridade sobre outrem, para causar dano
à vida do amaldiçoado... A maldição é a prova mais
contundente do poder que têm as palavras.
Prognósticos negativos são responsáveis por desvios
sensíveis no curso da vida de muitas pessoas, levandoas
a viver completamente fora dos propósitos de Deus...
As pragas se cumprem. [1]
Algumas perguntas surgem nas nossas mentes: será que Deus
castiga os filhos por causa dos pecados dos pais? Será Deus um
agente arbitrário que castiga os filhos que não cometeram pecado
no lugar dos pais, que são os verdadeiros culpados? Ou há algo
no lugar dos pais, que são os verdadeiros culpados? Ou há algo
que deve ser entendido devidamente nas passagens onde Deus
fala sobre maldição hereditária? São exatamente estas perguntas
que nos propomos a responder dentro da única regra de fé e
prática da Igreja: A BÍBLIA SAGRADA.

EXAME DAS PASSAGENS QUE FALAM SOBRE MALDIÇÃO
HEREDITÁRIA

Dentro da revelação bíblica, a primeira passagem onde ocorre um
pronunciamento divino a respeito de castigar nos filhos os
pecados dos pais é em Êxodo 20: 4-6, que diz exatamente assim:
“Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma
do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas
águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto;
porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso, que visito a
iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração
daqueles que me aborrecem e faço misericórdia até mil gerações
daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos”. Há
algumas coisas que devem ser percebidas na passagem acima, as
quais são muito elucidativas para o problema em questão.
Primeiramente, devemos notar que essa ameaça divina está dentro
do contexto da entrega dos Dez Mandamentos. Deus estava
entregando ao seu servo Moisés uma regra de vida para o seu
povo escolhido. Percebamos que a advertência divina está logo
após a declaração do segundo mandamento “não farás para ti
imagem de escultura...”. logo em seguida o Senhor Deus Todopoderoso
dá a razão porque o povo de Israel não poderia fazer
imagens: “porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso, que
visito a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta
geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia até mil
gerações daqueles que me amam e guardam os meus
mandamentos”. Deve ser notado o uso da palavra “porque”, que
indica a razão do segundo mandamento. De forma simples, a
advertência divina de castigar nos filhos os pecados dos
pais sempre está conectada com a possibilidade do
pecado de idolatria.
Em segundo lugar, Deus diz que é Deus zeloso. A palavra “zeloso”
quando usada a respeito de Deus descreve o amor que Deus tem
pelo seu nome santo, um zelo que exige a devoção exclusiva de
seu povo. Ela é usada quando essa reivindicação é ameaçada por
falsos deuses (conferir Dt 6.15; Js 24.19). É por causa do zelo que
tem pelo próprio nome que Deus adverte o povo de Israel contra o
pecado da idolatria e faz a ameaça de castigar as gerações
subseqüentes. João Calvino comenta essa passagem de forma
interessante. Ele diz o seguinte: “Ora é completamente estranho à
equidade da justiça divina o castigar no inculpado o castigo do
pecado alheio”. [2] Ele continua dando a razão pela qual essa
advertência seria efetivada: “onde esta maldição pesou, que se
pode esperar, senão que o pai de família, destituído do Espírito
Santo de Deus, viva de forma abominável e o filho, de forma
semelhante, abandonado pelo Senhor por causa da iniqüidade do
pai, siga o mesmo caminho de perdição? Finalmente, o neto e o
bisneto, a mesma semente de homens idólatras também se
precipitem nos mesmos pecados”. [3] No catecismo que escreveu
para a Igreja de Genebra, Calvino afirma que essa imprecação se
concretizaria em todos os descendentes que perpetuassem a
iniqüidade de seus antepassados. Ele diz o seguinte:
É como se Deus dissesse que ele é o único a quem
devemos nos apegar. Ele não pode tolerar a companhia
de outro deus e irá demonstrar sua majestade e glória
se alguém transferi-las a imagens ou qualquer outra
coisa; e não somente uma única vez, mas nos pais, nos
filhos e descendentes, ou seja, em todos enquanto
sigam a iniqüidade de seus pais; assim também ele
manifestará perpetuamente a sua misericórdia e
bondade para com aqueles que o ama e guardam a sua
lei. Ele declara a grandiosidade de sua misericórdia nisto,
em que ele a estende até mil gerações enquanto designa
apenas quatro gerações para sua vingança. [4]
Também é interessante a síntese do pensamento calviniano na
obra de J. P. Willes:
Acrescenta-se que o Senhor é um Deus zeloso, para
demonstrar que ele não tolerará rival algum, e sim
vingará o insulto cometido contra a sua glória, se esta
for transferida a criaturas ou imagens de escultura; e
que essa vingança será visitada nos netos e bisnetos,
visto que estes seguirão nos maus passos dos seus
pais. [5]
De forma prática, a fim de que entendamos esta passagem de
Êxodo, lembremos que desde os tempos mais antigos, os pais de
família são os sacerdotes dos seus lares. Lembremos do caso de
Jó, que oferecia sacrifícios continuamente pelos possíveis pecados
de seus filhos (Jó 1. 5). Os pais sempre foram os responsáveis
primários pela educação religiosa de seus filhos. No livro de
Deuteronômio 6. 6, 7 encontramos esta verdade: “Estas palavras
que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a
teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo
caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te”. A família deve ser uma
comunidade de ensino e aprendizado a respeito de Deus e da
piedade cristã. As crianças devem ser ensinadas pelos seus pais a
amarem ao Senhor de todo coração (Gn 18.18, 19; Dt 4.9; 11.18-
21; Pv 22.6; Ef 6.4). Logicamente, os pais que falhassem nessa
tarefa estariam contribuindo para que seus filhos permanecessem
ignorantes a respeito da lei de Deus e, conseqüentemente, dariam
abertura para que seus filhos se tornassem idólatras, pecassem
contra o Senhor e fossem assim, severamente castigados pelo
Deus santo e justo. Somente nesse sentido é que Deus castigaria
nos filhos os pecados de seus pais. Reflitamos: nesse caso, qual o
pecado dos pais? A resposta é a idolatria e o falso ensinamento
para seus filhos. Qual o pecado dos filhos? A resposta é a idolatria
aprendida dos pais e a passagem dos maus costumes para os
netos de seus pais. Essa é a interpretação correta. Todas as
outras passagens onde esta ameaça ocorre, ela está vinculada à
possibilidade de pecado e rebeldia contra o Senhor Deus (conferir
Isaías 44.15; Deuteronômio 4.24; Números 14.18, 33).
Mais especificamente, há uma outra passagem no Antigo
Testamento que mostra que a responsabilidade pelo pecado é
pessoal e individual. A passagem é Ezequiel 18.20: “A alma que
pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniqüidade do pai,
nem o pai, a iniqüidade do filho; a justiça do justo ficará sobre
ele, e a perversidade do perverso cairá sobre este”. Esta
passagem é muito esclarecedora, onde o próprio Deus afirma que
cada um dará contas dos seus próprios pecados. Os filhos não
têm culpa dos pecados de seus pais, nem os pais têm culpa dos
pecados dos filhos. Mas isso desde que um deles tenha vivido de
acordo com a vontade de Deus revelada na sua Palavra. No início
do capítulo está escrito: “Que tendes vós, vós que acerca da erra
de Israel, proferis este provérbio, dizendo: Os pais comeram uvas
verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram? Tão certo
como eu vivo, diz o SENHOR Deus, jamais direis este provérbio em
Israel. Eis que todas as almas são minhas; como a alma do pai,
também a alma do filho é minha; a alma que pecar, essa
morrerá ” (Ez 18.2-4). Ezequiel está explicando que Deus
responde de acordo com os atos de cada indivíduo e geração.
Cada um é punido por seus próprios pecados. Recomendo que a
Igreja leia para um melhor entendimento todo o capítulo 18 de
Ezequiel, de forma mais específica, os versículos que se estendem
de 10 a 18. Em suma, o pai não leva a culpa pelo pecado do filho,
nem o filho leva a culpa pelo pecado de seu pai, desde que um
deles tenha vivido uma vida santa, reta, dedicada ao serviço e
adoração ao Deus verdadeiro.

RESPOSTA À UMA MÁ UTILIZAÇÃO DE UMA PASSAGEM DO
NOVO TESTAMENTO PARA DAR SUPORTE AO ERRO AQUI
COMBATIDO

Muitas pessoas enfatuadas, arrogantes e na verdade ignorantes a
respeito da Palavra de Deus utilizam, de forma indevida uma
passagem neotestamentária para apoiar sua falsa doutrina de
maldição hereditária. A passagem é João 9.1, 2, que diz o seguinte:
“Caminhando Jesus, viu um homem cego de nascença. E os
discípulos perguntaram: Mestre, quem pecou, este ou seus pais,
para que nascesse cego?” A resposta de Jesus foi extraordinária:
“Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se
manifestassem nele as obras de Deus” (v. 3). Agora eu pergunto
aos que afirmam que aqui há uma base para a maldição
hereditária: onde esse texto dá apoio à essa doutrina satânica e
perniciosa? A resposta é óbvia: EM NENHUM LUGAR! Quereis vós,
que distorcem o cristalino ensino da Palavra inerrante de Deus
basear os seus falsos ensinamentos apenas na pergunta dos
discípulos? Pois bem, não percebem que esta pergunta foi taxada
como errada pelo próprio Jesus? A resposta de Jesus Cristo
mostra quão errada é esta noção, quão deturpada é a doutrina
que ensina que os filhos são castigados pelos pecados dos seus
pais. Na verdade, o propósito pelo qual aquele homem havia
nascido cego era para que na vida dele as obras poderosas de
Deus fossem manifestadas. Ele havia nascido cego para que a
glória de Deus fosse manifestada através da cura realizada por
Jesus Cristo, a fim de que a sua pregação a respeito do Reino de
Deus fosse credenciada diante das pessoas que o ouviam. Esta
passagem não ensina nada sobre maldição hereditária a não ser
uma única coisa: que esta doutrina é errada!

CONCLUSÃO

Alguns de nossos sofrimentos, como os de Jó, são para a glória de
Deus, pois ou resultam em nosso próprio aperfeiçoamento ou em
cura espetacular, como no caso do cego de nascença. O
propósito de Deus nem sempre é conhecido por nós, mas
devemos como cristãos ter a firme convicção de que o seu
propósito é bom (Romanos 8.28).
Diante da reflexão aqui empreendida, deve restar a certeza de que
Deus trata cada um segundo as suas próprias obras. Digo isso
não com relação à salvação, pois se assim fosse, ninguém seria
beneficiário da salvação, em virtude da mesma ser única e
exclusivamente pela graça soberana do Deus do Pacto; mas esta
afirmação tem a ver com a imposição de castigos temporais. Deus
disciplinas aos filhos que tanto ama.
Devemos rejeitar toa e qualquer doutrina que vá contra a Palavra
de Deus. No caso, uma doutrina que afirme que Deus visita a
iniqüidade dos pais nos filhos é uma falsa doutrina e deve ser
rejeitada e condenada como herética. Sempre existiram pessoas
dispostas a afirmar isso, mas ultimamente tal afirmação ganhou
força com a Igreja Universal do Reino de Deus, a qual, nós bem
sabemos que é uma instituição que ensina outro evangelho, não o
de Cristo. A orientação bíblica é para que rejeitemos também os
falsos mestres, que na linguagem do apóstolo João são nada mais
nada menos do que “enganadores” (2 João 7).
Em suma, a autoridade para resolver qualquer dúvida a respeito de
crença e prática da Igreja é a Escritura Sagrada. Ela é a Palavra
inerrante do Deus Todo-poderoso. Ouçamo-la.

SOLI DEO GLORIA!

NOTAS:
[1] - Jorge Linhares, Bênção e Maldição , 16.
[2] - João Calvino, As Institutas ou Tratado da Religião Cristã , Livro
I, cap. VIII, 19. p. 146.
[3] - Ibid. p. 147.
[4] - João Calvino, Instrução na Fé: Princípios Para A Vida Cristã ,
(Goiânia: Logos, 2003), 23.
[5] - J. P. Willes, Ensino Sobre O Cristianismo , (São Paulo: PES,
2002), 177.

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